Vou fazer uma crônica pensei outro dia. No dia seguinte pensei também. Mas gente tá tudo tão triste, não tem clima pra crônica. Com humor então. Nem pensar. Gente morrendo, mundaréu sofrendo, desgoverno. Os memes amarelados. Mas o entornar do caldo de cada um desses dias me empurrou pra qualquer coisa sem efeito colateral, uma maracujina pra não chegar no Rivotril. Eu por mim morava na live na Teresa Cristina até o fim do isolamento. Mas não tem tempo ideal. Tem dado tempo, por exemplo, pra tudo menos pro trabalho. É assim. A vida segue seu curso mais ou menos certinho se não tiver que trabalhar. Seria assim mesmo sem pandemia. Dá pra passar pano, enxaguar, brincar com o menino, fazer comida, lavar banheiro, besuntar álcool gel em pacote de qualquer coisa, tomar banho, até namorar. A idade média em estado bruto atualizado. Mas trabalhar, gente, manter a produtividade é pra os PJ Masks. Sóquê as contas não entraram em quarentena, ainda que muitos lugares venham sendo parceiros. Os pequenos. Grandes corporações querem aumentar seus ganhos agora. Solidariedade é coisa de proletário. “Ninguém vai sair melhor dessa”. “Esse tempo é de maturar a transformação”. Oscilamos entre estes extremos, mas fico com Sidarta Ribeiro, a melhor meditação é lavar louça e dormir. Então a escola manda atividades, fico feliz por manter os vínculos. Mas não na hora do meu filme, diz o pequeno príncipe de 5 anos. Você pode ligar pra professora pra essa aula ser depois do meu filme? A escola sugere mandar uma foto da porta de casa. Olho praquela porta branco gelo com um olho mágico e confirmo que não tem nada mais sem graça nessa casa. E ainda morro de inveja das portas dos que escapuliram da cidade, portas de vidro com vista para o verde, portinhas de vila pseudo decadentes gentrificadas, portões de madeira daquele sítio daora. E ainda pergunto pra professora: Pode ser do ladidentro né? Pra economizar no banho e na roupa.
Passo serenity nos dois punhos pra dormir agoniada com o prazo do trabalho e com as mudanças todas que o Harvard man novato MBA feelings me ´provocou´ na última semana. PPTs sem fim diante das minhas narrativinhas de raiz. Mas passo os punhos no travesseiro e esfrego o olho no óleo e me fodo toda de coçar. Amanhã acordo às 6h pra matar essa porra logo. Acordo, respiro, copo d´água, passeio nas redes sociais, persianas em riste, abro solenemente o notebook manivela. Mãããããããã~e~e~e~e~e.
Crônica publicada na antologia Crônicas da Quarentena, Páginas Editora, 2020.
Ana d´Angelo 